O risco de se rotular: uma reflexão sobre o autodiagnóstico e o apagamento da singularidade
- Flávia Rezende dos Reis
- 10 de jul.
- 2 min de leitura
Nos últimos anos, a saúde mental ganhou visibilidade como nunca. Redes sociais, podcasts, livros e influenciadores passaram a falar abertamente sobre transtornos, traumas e sofrimentos psíquicos e esse é, sim, um grande avanço.
Por outro lado, essa popularização trouxe alguns riscos. Um dos mais frequentes tem sido o autodiagnóstico. Quando, diante de sintomas ou sofrimentos, a pessoa se identifica com o que vê na internet e passa a se nomear (ou nomear o outro) a partir de rótulos como TDAH, TEPT, borderline, narcisista, entre outros.

A internet nos apresenta listas de sintomas, vídeos curtos e relatos que muitas vezes parecem descrever com precisão aquilo que sentimos. E, sim, pode mesmo ser que haja um transtorno envolvido. Mas também pode não ser. Pode ser que aquele sintoma faça parte de um outro processo emocional, ou que apenas represente uma parte da história, e não um diagnóstico completo.
É compreensível: dar um nome ao que se sente pode oferecer alívio. Muitas pessoas encontram nos diagnósticos um sentido, uma explicação, e até mesmo o acesso a direitos e tratamentos necessários. Mas quando esse nome surge sem o devido cuidado clínico, ele pode aprisionar.

Diagnóstico não é sentença e nem deve apagar a subjetividade
Na escuta clínica, não é apenas o sintoma que importa, mas o sujeito que o vive. Não se trata de saber apenas o que está acontecendo, mas como, por que, desde quando, em que contexto, em que corpo, em que história.
É por isso que, na psicanálise, o diagnóstico é uma ferramenta que não substitui a singularidade. Freud e, mais tarde, Winnicott, sempre destacaram a importância de considerar o sofrimento em sua dimensão única, subjetiva e relacional.
E é de Winnicott, inclusive, uma frase que inspira parte do trabalho clínico que realizo:
“Não estamos preocupados apenas com doenças ou distúrbios psiquiátricos: estamos preocupados com a riqueza da personalidade, a força do caráter e a capacidade de ser feliz, assim como com a capacidade de se revoltar e de fazer a revolução.”
Essa perspectiva nos lembra que cuidar da saúde mental não é apenas nomear sintomas, mas cuidar da pessoa como um todo, de sua potência criativa, sua história de vida, seus afetos e de sua capacidade de transformação.
Um sintoma é mais do que um item de lista
Autodiagnosticar-se pode ser tentador, especialmente em momentos de sofrimento intenso. Mas um diagnóstico verdadeiro exige mais do que reconhecer sintomas numa tela: exige escuta, vínculo, tempo e um olhar ético e contextualizado.
Nem todo sofrimento que abala a continuidade da vida precisa de um diagnóstico para ser cuidado. E o autoconhecimento não diz respeito a encontrar uma etiqueta para chamar de sua, mas a se escutar com profundidade (com história, com contexto, possibilidades…e com a falta delas, inclusive de se conhecer totalmente).
Se você está em busca de algumas respostas, talvez o primeiro passo não seja um nome, mas uma escuta. Daquelas que não te reduzem ao que dói, mas que te acompanham enquanto você descobre, cria quem é, para além e apesar da dor.



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