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Dissociação: uma defesa contra o insuportável

  • Foto do escritor: Flávia Rezende dos Reis
    Flávia Rezende dos Reis
  • 17 de jun.
  • 2 min de leitura

A dissociação é um dos modos pelos quais o psiquismo se protege diante de experiências intensas demais para serem elaboradas quando ocorrem. Ela pode se manifestar como uma separação entre corpo e mente, como uma “anestesia” emocional, ou mesmo como a sensação de estar vivendo fora do próprio corpo.


Mulher sentada em uma cama com expressão de tristeza, braços cruzados sobre o corpo. Atrás dela, uma versão translúcida de si mesma flutua, olhando para frente com uma expressão neutra, representando um estado de dissociação ou desconexão entre corpo e mente.

Na psicanálise, Freud já apontava que o eu pode se proteger da angústia por meio de defesas inconscientes, e que certas experiências traumáticas — especialmente aquelas que não puderam ser simbolizadas — permanecem fora da representação psíquica. Mais tarde, autores como Ferenczi e Winnicott aprofundaram a compreensão de que o psiquismo, diante de situações traumáticas, desliga parcialmente para preservar o núcleo do self.


Ferenczi (1933), por exemplo, falou sobre o “embotamento” psíquico como uma resposta ao trauma precoce, em que a criança, para sobreviver à dor da invasão ou do abandono, “desliga” partes da percepção e da sensibilidade. É uma defesa que protege, mas também fragmenta.


Winnicott, por sua vez, contribui com a ideia de que, quando o ambiente falha gravemente, o sujeito pode recorrer a uma cisão defensiva, criando um “falso self” que se adapta às exigências externas, enquanto o verdadeiro self se mantém oculto e, muitas vezes, acessado apenas em estados de relaxamento profundo ou de desorganização.


Jovem sorridente de cabelos castanhos escreve em um caderno sobre uma mesa de trabalho bagunçada, com papéis espalhados, um notebook aberto e um porta-lápis com tesouras. Ela parece concentrada e feliz, usando uma blusa azul de manga comprida.

Ou seja: o momento de desacelerar, que teoricamente deveria ser prazeroso, pode ser justamente aquele em que o self encoberto começa a emergir, e com ele, memórias ou sensações que antes estavam adormecidas.

Quando o corpo descansa, mas a mente vigia

Muitas pessoas relatam que só conseguem “funcionar” quando estão em movimento constante (ocupadas, produtivas, vigilantes). Quando finalmente se deitam, ou tiram férias, ou têm um momento de silêncio… algo inquietante surge.

Essa inquietação não é um defeito. Ela é sinal de que o corpo e a mente, em algum momento da vida, aprenderam que baixar a guarda era perigoso.


Talvez porque, ao se permitir relaxar, algo doloroso aconteceu. Ou porque o ambiente em que cresceram não oferecia segurança suficiente para que o descanso fosse vivido sem ameaça. Assim, mesmo anos depois, a defesa permanece ativa. E a dissociação pode aparecer não como um episódio explícito, mas como pequenas pistas: dificuldade de se concentrar, sensação de estar flutuando, ou simplesmente não conseguir se conectar com o próprio momento presente.


A boa notícia: é possível transformar essa experiência

Com o tempo, cuidado e, muitas vezes, com o suporte de um processo terapêutico, essas defesas podem ser reconhecidas e gradualmente ressignificadas.

É importante entender que elas não precisam ser “derrubadas” com força, mas compreendidas com escuta, tempo e acolhimento. Elas foram úteis um dia. Só deixaram de ser necessárias. O alívio pode começar no simples gesto de se observar com curiosidade, em vez de julgamento. Nomear o que acontece, reconhecer o que se sente, perceber o corpo. Pouco a pouco, o relaxamento deixa de ser um gatilho e passa a ser uma possibilidade.


Finalizando…

Se relaxar não relaxa, talvez o problema não esteja em você, mas naquilo que seu corpo e sua mente ainda carregam sem que você perceba. E isso pode ser cuidado.



Fontes:

  • Ferenczi, S. (1933). Confusão de Línguas entre os Adultos e a Criança

  • Winnicott, D. W. (1960). O conceito de falso self

  • Freud, S. (1920). Além do princípio do prazer




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Acolher e lidar com emoções para um viver autêntico.

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